Adotar práticas sustentáveis, que reduzam as emissões de gases causadores do efeito estufa, é uma preocupação cada vez mais frequente entre os produtores rurais brasileiros. Mas o grande desafio é saber se o caminho adotado está sendo eficiente e se será possível comprovar no futuro, para quem consome os produtos brasileiros, que essa conta realmente é favorável ao meio ambiente. Para auxiliar neste processo, a Sociedade Rural Brasileira vem promovendo uma série de encontros com especialistas para entender em detalhes quais as ferramentas disponíveis e o que já se sabe sobre tão falado mercado de carbono.
Um dos encontros, realizado em outubro, teve como destaque a palestra do pesquisador sênior da Embrapa Meio Ambiente, Marcelo A. Boechat Morandi. Ele falou sobre os desafios e oportunidades dentro do sistema da agricultura tropical para medir a chamada “pegada de carbono” (carbon footprint) de alguns produtos brasileiros. O principal desafio é o fato de os principais sistemas internacionais terem sido criados baseados em modelos de agropecuária bem mais simples que o nosso e muito distantes da realidade de um país de clima tropical como o Brasil.
A produção agrícola no Brasil teve sua mais forte expansão em áreas tropicais com solos mais pobres e que passaram a contar, com base na ciência, com investimentos na fertilidade e também na adaptação de variedades genéticas. Depois disso, práticas sustentáveis vêm sendo cada vez mais adotadas, como o plantio direto, a fixação biológica de nitrogênio e a integração lavoura pecuária e floresta.
“O Brasil tem grandes oportunidades, que vão muito além do mercado de carbono tradicional, que trata da transição para modelos que reduzam as emissões”, disse o pesquisador da Embrapa Meio Ambiente. Segundo ele, este processo pode ajudar a financiar a transição dos sistemas produtivos, mas lá na frente os mercados internacionais vão precisar de produtos baseados na bioeconomia, que sejam sustentáveis no longo prazo, e o Brasil já poderá ter se consolidado como fornecedor global.
Descarbonização x Créditos de Carbono
A intensidade de carbono é medida ao longo de todo o ciclo de vida de determinado produto, explicou Morandi. Para avaliar a “pegada de carbono” da soja em determinado local, por exemplo, é necessário verificar qual fluxo de energia e materiais utilizados até se chegar em 1 tonelada do produto. Desta forma se verifica quanto de carbono foi emitido em ações como uso de combustíveis no trator e fertilizantes no solo, por exemplo.
“Como a fazenda é uma indústria a céu aberto, há diversos fatores envolvidos que tornam mais desafiador fazer este cálculo, já que se trata de um ambiente menos controlado do que uma fábrica tradicional”, explicou. Por isso, são usados modelos científicos para calcular o balanço destas emissões. E a maioria deles foi criada e baseada em realidades de clima temperado, onde o tema é estudado há muito mais tempo.
Neste cenário, o pesquisador da Embrapa esclareceu que muitas vezes há confusão entre os conceitos de descarbonização, ou seja, da busca e desenvolvimento de produtos “low carbon”, daquilo que se chama de mercado de créditos de carbono. O crédito ou pagamento só ocorre quando há um excedente de carbono acumulado ou sequestrado no processo.
Modelos de Mensuração
Uma fazenda pode ter sua pegada de carbono calculada para que seja possível agregar valor aos produtos que ali são gerados. Para isso, a Embrapa está desenvolvendo ferramentas que ajudem neste processo e que, ao contrário das originais criadas em outros países, possam refletir de forma mais assertiva a realidade da agricultura tropical.
Estes sistemas são aliados do produtor já que muitas variáveis ele não consegue ter a informação completa. “Um produtor de milho pode informar que usou ureia na lavoura, mas dificilmente terá detalhes sobre como foi produzido este fertilizante, para que seja feito o inventário completo do ciclo de vida deste produto”, explicou Morandi. Mas a boa notícia é que os sistemas desenvolvidos pela Embrapa já conseguem oferecer este suporte e já estão sendo utilizados em alguns estudos internacionais.
Marcelo Morandi apresentou o chamado BR-Calc, um protocolo criado pela Embrapa que leva em conta critérios dos sistemas internacionais mais reconhecidos, mas adaptado à realidade brasileira. “Do contrário, ficaríamos isolados”, esclareceu. Outro sistema que está sendo reconhecido internacionalmente é BRLUC, que trata mudança do uso da terra, mais um conceito importante no tema da sustentabilidade. Ele avalia o que ocorre quando uma área de pastagem é convertida em lavoura de grãos, por exemplo. Em alguns casos, o balanço de carbono fica mais favorável, em outros não, por isso é necessário mensurar.
O sistema já vem sendo usado por organismos internacionais e, de imediato, melhorou índices que avaliam as emissões da agropecuária brasileira. “Há casos em que o cálculo feito considerando área total colhida, por exemplo, não levava em conta o fato que o Brasil planta 2 safras, em uma mesma área, algo que distorcia negativamente estes resultados”, explicou. O fato da agropecuária brasileira ser cada vez mais intensiva e sustentável precisa ser mensurado e comprovado. Um dos exemplos positivos citados pela Embrapa Meio Ambiente é o Renovabio, que já vem gerando créditos a partir do ganho que os biocombustíveis oferecem ao reduzir emissões de CO2, na comparação com combustíveis fósseis.
*A Apresentação completa do Pesquisador Sênior da Embrapa Meio Ambiente, Marcelo A. Boechat Morandi, está no canal da Sociedade Rural Brasileira no YouTube. Clique aqui e assista!