As discussões sobre as mudanças climáticas e o papel da agropecuária brasileira muitas vezes trazem dúvidas, desafios e preocupações. Mas o que nem sempre fica claro é o tamanho das oportunidades que também podem surgir a partir da criação deste novo mercado, que valoriza a redução das emissões de gases causadores do efeito estufa. Para entender melhor este universo, a Sociedade Rural Brasileira (SRB) promoveu ao longo de 2022 uma série de encontros com especialistas no tema. Um deles foi com Ladislau Martin Neto, pesquisador sênior da Embrapa Instrumentação Agropecuária, que integra diferentes iniciativas internacionais com foco no mercado de carbono.
Os efeitos das mudanças climáticas já são sentidos pelos produtores rurais em todo o mundo. O primeiro deles é a incerteza com o clima, com episódios extremos como secas e inundações fora de época, muitas vezes comprometendo a colheita ou parte da produtividade. O segundo é indireto, mas ainda mais relevante, porque pode resultar em perdas de mercado e de renda no campo. Com o setor industrial pressionado a reduzir emissões de gases causadores do efeito estufa, os governos aceleram compromissos e exigências para que haja uma mudança no perfil produtivo, o que afeta os fornecedores de matéria-prima como o Brasil.
A importância do solo
A boa notícia é que as políticas internacionais para o combate a mudanças climáticas não valorizam apenas quem reduz emissões de CO2, mas também prometem recompensar práticas que ajudem a fazer o chamado “sequestro” de carbono, quando se retira o que já estava na atmosfera. É aí que a agropecuária tem um papel fundamental. A capacidade de sequestro de carbono nos solos de áreas de clima tropical e subtropical é um tema que vem sendo cada vez mais estudado por pesquisadores do mundo inteiro, à medida que possui grande relevância para tornar este balanço mais favorável ao meio ambiente.
Artigos assinados por pesquisadores brasileiros vêm sendo destacados em publicações científicas, mundialmente, abordando este tema. O convidado da SRB, Ladislau Martin Neto, é um deles. Em sua apresentação online promovida pela entidade ele destacou que o agro pode deixar de ser “um emissor líquido” e passar a receber créditos pelo carbono que sequestra da atmosfera.
Neste sentido, um dos diferenciais da agricultura brasileira é o cultivo de duas safras por ano em uma mesma área e a expansão do plantio direto, que favorecem o maior sequestro de carbono no solo. Diferentes pesquisas vêm avaliando o balanço de carbono em culturas como a soja, por exemplo. De um lado, há emissões de CO2 em função do uso de calcário, das máquinas movidas a combustíveis fósseis, entre outros pontos. Mas por outro lado, a fotossíntese das plantas já contribui para retirar o gás carbônico da atmosfera. Depois disso, quando a soja é colhida, as raízes e parte aérea das plantas ficam no solo. É nesta hora que os resíduos das plantas sofrem um processo de decomposição, por intermédio de microrganismos, fazendo com que o carbono da planta passe para o solo, configurando o que se chama de sequestro de carbono.
O pesquisador Ladislau Martin Neto apresentou pesquisas recentes feitas na região do Cerrado com dados que impressionam: ao mensurar o sequestro de carbono em fazendas que produzem grãos verificou-se que algumas das lavouras que adotam práticas conservacionistas são capazes de contribuir mais para o meio ambiente do que se uma vegetação nativa estivesse mantida naquela mesma área. Quer dizer, o ganho não é apenas em relação a uma lavoura convencional, sem plantio direto. Agricultura de baixo carbono gera alimentos, renda e contribui mais para o meio ambiente.
Entre os sistemas que podem ser recompensados futuramente pela contribuição em sequestrar carbono estão, além do plantio direto, a Integração Lavoura Pecuária Floresta (ILPF), a recuperação de pastagens, a agricultura irrigada, entre outros.
Vale ressaltar que nos Estados Unidos o primeiro pagamento de créditos de carbono aos produtores rurais já aconteceu. Foi para um consórcio de 2 mil produtores rurais, em junho de 2022, certificados pela empresa Verra. Calcula-se que no Brasil, considerando a meta de reduzir as emissões até 2030, haja um potencial de gerar créditos de carbono de até US$ 110 bilhões, destacou o especialista, durante a apresentação.
Para ver mais detalhes sobre esta e outras pesquisas, assista a palestra que o pesquisador Ladislau Martin Neto fez aos convidados da SRB clicando neste link.
No vídeo, ele menciona os diferentes métodos de mensuração de carbono existentes, entre eles a técnica LIBS (Laser-induced Breakdown Spectroscopy), utilizada pela NASA para estudos no planeta Marte e que é usada desde 2016, pela Embrapa Instrumentação, na avaliação de solos tropicais, com foco na busca de uma certificação para os créditos de carbono.