*Publicado pela Sociedade Rural de Maringá

 

Próximo de encerrar o seu primeiro mandato como presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), Gustavo Diniz Junqueira, 44 anos, é o entrevistado da última edição do ano do Informativo SRM. Formado em Administração de Empresas, mestre em finanças pela Thunderbird School of Management dos Estados Unidos, ele trilhou uma carreira de sucesso na área financeira no exterior e hoje tem contribuído para o avanço do agronegócio no país. Gustavo foi eleito em 2014 como o mais jovem presidente da SRB e permanece no cargo até fevereiro de 2017. Nesta entrevista, defende reformas para a área e um maior posicionamento político da categoria para ocupar o espaço que merece. Confira

SRM – Diante dos escândalos de corrupção que tomaram conta do governo Dilma, o senhor, se posicionou a favor do impeachment da presidente Dilma. Qual a sua visão hoje do Governo Temer para o agronegócio brasileiro?

Diante de todas as investigações conduzidas pela Lava Jato e a falta de respostas condizentes da presidente Dilma, nos engajamos fortemente no processo de pedido de impeachment, sim. Agora, sobre o novo governo de Michel Temer, é importante levar em consideração que estamos passando por um momento muito complicado no Brasil. Precisamos de reformas e isso vai ter implicações em todas as famílias brasileiras, em todos os setores.  O governo é a maior empresa do Brasil porque cresceu demais e sem controle. E essa empresa quebrou. Para muitos governantes e gestores não caiu a ficha ainda de que não temos como manter a estrutura como foi originalmente concebida. As mudanças têm de ser feitas com critério, mas ao mesmo tempo sem paixão. Será preciso definir prioridades nessa guerra. Acho que o presidente está certo em não se preocupar com sua popularidade mas precisa fazer reformas profundas em muito pouco tempo. Sem isso não terá popularidade e os brasileiros não terão futuro. O país acaba.

SRM – E como fica a agricultura nessa situação?

A agricultura também vai precisar de reformas. Não adianta a gente ter uma visão romântica ainda do uso da terra no Brasil. Atualmente, fala-se numa reforma agrária atrasada, como se um pedaço de terra resolvesse a situação de muitas pessoas. Só isso não resolve. O agro tem de ser repensado, com o objetivo de entender como este grande vai modificar o Brasil e como os produtores rurais podem se encaixar nele. Pessoalmente, eu tenho uma visão positiva do futuro. Acredito no renascimento do Brasil, em novas regras de meritocracia, de eficiência, de liberdade individual, onde cada um vai achar seu caminho, com o governo iniciando um processo de diminuição de presença na vida das pessoas.

SRM – Como o senhor vê a PEC 241 em relação à agricultura? Existe a preocupação de que haja cortes para o custeio agrícola?

A PEC do teto vai afetar todo mundo. Quando se coloca limite em cima do que se pode gastar, as famílias precisam tomar decisões do que é prioridade. O erro dos governos Lula e Dilma foi entender que a solução para todo problema era o dinheiro. Dinheiro não é solução mágica, mas um facilitador de boas ideias e de muito trabalho. A discussão do teto da PEC é saber qual a prioridade para a população. É a educação, a saúde? Então não tem para a agricultura. Por isso, será preciso pensar em soluções. Como podemos melhorar sem a ajuda do governo? O governo vai ter de se afastar e abrir espaço para que a iniciativa privada de cada setor encontre as suas soluções. O agro já fez isso no café, no açúcar na década de 90 e mais recentemente fez na carne, no milho, na soja e em muitos outros produtos.

 

SRM – O senhor tem comentado que a estrutura do crédito agrícola brasileiro ficou atrasada e é necessário destravá-la. Como fazer isso?

A agricultura mostrou-se muito resiliente às crises brasileiras. Tornou-se uma grande referência no Brasil, mas não por causa da ajuda do governo. Na verdade, isso aconteceu porque o agro é um grupo da sociedade que conseguiu vencer continuamente, enfrentando grandes adversidades.  Temos países concorrentes como Estados Unidos e Inglaterra que têm subsídio. Nós não temos e mesmo assim conseguimos bons resultados. Acho totalmente viável que a agricultura ande sozinha, à margem do estado. Nosso maior ativo são os produtores rurais que enfrentam os desafios e entregam resultados.

SRM – Mas como reestruturar o sistema para que a agricultura ande sozinha?

Não existe agricultura que consiga trabalhar com custo de capital elevado. Então, temos duas alternativas: uma é criar subsídios e através dos impostos sustentar esses subsídios, o que não acredito ser o melhor caminho. A outra é a independência do setor. Mas para isso precisamos, primeiro, de segurança jurídica. É necessária uma política clara para combater a invasão de terras no Brasil e garantir o direito de propriedade. No momento que se dá essa mensagem de maneira enfática, de que não existe o risco, já se atrai mais investimentos. Segundo ponto: que todo mercado possa financiar a agricultura, sem cartórios ou custos burocráticos e com regras claras que garantam financiamento mais barato, punindo aqueles que praticam irregularidades ou calotes. Sobre o risco climático? A agricultura é atividade de escala, quanto mais organizada, mais segurança vai ter. O pequeno agricultor deve trabalhar dentro de um sistema, por exemplo, as cooperativas, que tem escala e organização. Nosso agronegócio é o mais sustentável do mundo. Hoje, somos responsáveis por uma área de preservação que corresponde a 63%. No entanto, precisamos de viabilidade financeira. Não há como repassar todo o custo da adequação ambiental aos produtores rurais. Um dos caminhos é permitir o investimento estrangeiro em propriedades brasileiras. É uma das formas de capitalizar nosso agro e conseguir trabalhar com segurança financeira.

SRM – Existem gargalos que emperram os avanços do agronegócio brasileiro, como infraestrutura e logística, defesa sanitária e política agrícola. Quais as perspectivas de melhoria nesse campo dentro do novo governo?

O Brasil não é um país com histórico revolucionário. É baseado na evolução. Mas existe ansiedade. As pessoas querem que a vida melhore do dia para a noite. Neste caso, são dois caminhos: um que foi adotado pela política do governo Lula, de fornecer simplesmente ajuda para as pessoas, mas é ilusório pois não se consegue chegar lá só com bolsa família ou credito. O outro é o da seriedade, onde se discute com a população um projeto de longo prazo e mostra para os cidadãos o caminho para que cada um possa trabalhar para chegar lá. O Brasil precisa de reformas profundas para avançar, mas o benefício será percebido no longo prazo.

SRM – Muito se fala do Brasil ser o celeiro do mundo, a nação que reúne as condições para alimentar o mundo. Como o senhor vê esta questão?

O Brasil tem as características naturais de ser o grande produtor que o mundo precisa. Tem o que poucos países possuem: uma grande classe média rural, que pensa igual, que educa os filhos com os mesmos princípios de Norte a Sul e que sabe trabalhar a terra e sua produção. Essa classe média dá força para assumirmos essa responsabilidade de alimentar o mundo. O agro brasileiro foi desenvolvido com base na ciência e, portanto, temos como expandir à medida que a demanda aumenta, somos flexíveis e eficientes naquilo que fazemos. O agro é uma força motriz e temos o potencial de sermos um grande país. Mas para passar de potencial a potência é preciso mais do que apenas produzir, precisamos aprender a planejar nossa estratégia de comercialização e conquista de mercados. Tenho alertado de que estamos trabalhando sob a égide do “vamos produzir cada vez mais”. No entanto, não podemos ficar numa posição de refém do mundo. Muita produção sem o devido planejamento significa menores margens para produtores e para as empresas. O Brasil precisa conquistar mercados e, por diferenciação, ser de fato o grande fornecer de alimentos para o mundo, mas feito de maneira organizada e dentro de um tempo que permita a todos, produtores, empresas e país, ganhar dinheiro com esse crescimento. Se não está ganhando dinheiro, não pode plantar. O Brasil tem condições de produzir três vezes mais, mas precisa ver se devemos fazer isso.

SRM – O que a SRB tem feito para os avanços do agronegócio?

A SRB, a mais antiga entidade representativa do agronegócio no Brasil (fundada em 1919), já viu o Brasil em todas as suas fases e está olhando os temas transversais. Novos mercados, comércio exterior, questão trabalhista, sustentabilidade, estrutura de financiamento, liderança do futuro. Através de alguns comitês, nos quais a composição é feita entre diversos setores e agentes, discutimos o agro do futuro. Com base nesse volume e profundidade de discussão, atuamos junto ao congresso, levando conteúdos para que os parlamentares tenham condições de defender uma regulação onde o agro está sendo constantemente promovido e desafiado. Também é preciso ressaltar parceiros importantes, como a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), que está junto com a SRB em um projeto para expandir o agro fora do Brasil. Temos o Matopiba 2020, que vai investir R$ 50 milhões do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF) nos próximos quatro anos para o apoio ao desenvolvimento da sustentabilidade e à competitividade da produção nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.

SRM – Falando tanto em mudanças, qual o papel dos produtores rurais nessa discussão?

É importante lembrar que nós produtores somos hoje reconhecidos pela sociedade urbana.  Estamos no momento da responsabilidade, de liderar essa evolução do Brasil, que está nas mãos do agro. Precisamos sair das nossas fazendas, de trás das porteiras e ajudar o Brasil a ter o mesmo sucesso que conquistamos, através planejamento, capacitação técnica dos produtores, internacionalização de nossos produtos e parcerias público-privadas. Para isso, precisamos nos engajar cada vez mais na discussão politica do Brasil. Se não o fizermos, outros o farão e correremos o risco de ter um país que não queremos.