O Brasil é o 5° maior país do mundo, tem mais de 8,5 milhões de km², quase 6% das terras emersas do planeta, diversos relevos, climas e vegetações, como a caatinga na região Nordeste, cerrado arbóreo e pantanal na região Centro – Oeste e vegetação campestre na região Sul.
Nesse panorama, o Brasil alcançou um rebanho em torno de 232 milhões de bovinos, ou cerca de 20% do rebanho mundial, segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). Isso transcorreu num processo histórico – cultural envolvendo a lida no campo com equinos e bovinos, onde o manejo pecuário seria impossível sem o uso cavalo. O ambiente condiciona o manejo dos bovinos. A caatinga e o cerrado denso impõem os manejos adotados na Vaquejada. N’outra ambiência, em campo aberto, usam-se manobras de laceio. Assim, a lida no campo moldou as expressões culturais refletidas na Vaquejada e nas Provas de Laço. Nesse percurso surgiram controvérsias acerca do bem estar animal, que vem sendo respondidas pelo Direito.
A Constituição Federal prevê que o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais (Art. 215). Ademais, estabelece o dever do Estado em fomentar práticas esportivas formais e não formais (Art. 217).
A Carta Magna acolhe igualmente a cultura popular (Art. 215, §1°) e não a discrimina em relação à cultura erudita (Art. 3°, IV). O princípio da unicidade constitucional impõe a coexistência das suas disposições, inclusive quanto à proteção aos animais (Art. 225, § 7°). Nessa perspectiva sobrevieram a EC 96, Leis Federais e Estaduais, dispondo sobre o bem estar animal nas práticas esportivas equestres em interação com bovinos. A Lei Federal 10.220/2001 instituiu normas relativas à atividade de peão de rodeio, protegendo-o e equiparando-o a atleta profissional, inclusive em Vaquejadas e Provas de Laço (Par. único do Art. 1°).
A Lei Federal 10.519/2002 dispõe sobre a defesa sanitária animal em rodeios e provas de laço, atestados de vacinação, médico veterinário responsável pela boa condição física e sanitária dos animais, cumprimento das normas impeditivas a maus tratos e injúrias de qualquer ordem, infraestrutura para a integridade física dos animais, apetrechos técnicos de arreamento e manuseio, etc.
A Lei Federal 13.364/2016 elevou o rodeio, a Vaquejada, bem como as respectivas expressões artístico-culturais, inclusive as Provas de Laço, à condição de manifestação cultural nacional e de patrimônio cultural imaterial. Convém ponderar que o Poder Legislativo pode reconhecer determinadas manifestações culturais como integrantes do patrimônio cultural brasileiro. O dever de protegê-las é consignado ao Estado (CF, Art. 215) e ao Poder Público (CF, Art. 216, §1°). Portanto, não apenas ao Poder Executivo.
Aliás, não são vedadas as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais reconhecidas e regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos (CF, Art. 225, § 7°). Estas disposições foram acrescentadas ao artigo 225 da Constituição por meio da EC 96. Impossível negar-lhe vigência, o que somente se admitiria por maioria de votos em plenário do egrégio Supremo Tribunal Federal (CF, Art. 97).
No âmbito estadual há diversas leis sobre bem estar animal em competições equestres, nas modalidades de Vaquejada e Provas de Laço, como por exemplo: (MG) Lei 13.605/2000; (AP) Lei 1.906/2015; (PB) Lei 10.428/2015; (DF) Lei 5.579/2016; (RN) Lei 10.212/ 2017; (RS) Lei 15.244/2018; (BA) Lei 14.082/2019.
Entidades sob a sua fiscalização do Ministério da Agricultura, como a Associação Brasileira de Criadores de Cavalo Quarto de Milha – ABQM e a Associação Brasileira de Vaquejada – ABVAQ tem adotado regulamentos de bem estar animal em provas com equídeos e bovídeos, obrigando, por exemplo, o uso de protetor de cauda na Vaquejada e corda com amortecedor de impacto nas Provas de Laço, além de veterinários e juízes de bem estar animal.
A jurisprudência tem enfatizado a relevância do bem estar animal nessas competições. Neste sentido, a Decisão do egrégio STF, na ADI 4.983, certamente inspirou a EC 96 no seu desiderato de assegurar “o bem-estar dos animais envolvidos” nas práticas desportivas reconhecidas como manifestações culturais.
Nesse horizonte, o colendo Tribunal de Justiça do Distrito Federal declarou constitucional a Lei Distrital 5.579/2016, que reconhece a Vaquejada como modalidade esportiva no Distrito Federal. Assim, com base no Acórdão 1010745, certamente a ação (proc. 0003725-49.2015.807.0018), contrária à realização de provas no Parque de Vaquejada Maria Luiza e no DF, receberá Decisão análoga. Em outras palavras, as provas de Vaquejada e de Laço podem ser realizadas no DF.
ROBERTO BAUNGARTNER, Advogado, doutor em direito de estado (PUC/SP) e diretor jurídico da Associação Brasileira de Criadores de Cavalo Quarto de Milha
– Direito & Justiça · Brasília, 25 de março de 2019, Correio Braziliense