Celeiro de grandes líderes, entidade celebra centenário com participação marcante na defesa dos produtores rurais e no desenvolvimento do País
Em 2019, a Sociedade Rural Brasileira (SRB) completa 100 anos. Quem conhece ou viveu parte dessa longa trajetória tem a dimensão da importância da entidade na defesa dos direitos dos agricultores, das liberdades individuais, da inovação no campo e da soberania econômica brasileira. Desde a sua fundação, a SRB se notabilizou por transcender o terreno agrícola, assumindo papel de protagonista nas principais páginas da história do Brasil.
Aquele ano de 1919 era tempo de reconstrução da Europa, arrasada pela então recente Primeira Guerra Mundial (1914-1918). No Brasil, um grupo de líderes do agronegócio percebeu que o País poderia contribuir para a reestruturação do continente por meio do fornecimento de produtos primários. O encontro que deu origem à SRB reuniu 50 produtores rurais, signatários da ata inaugural da entidade, no antigo Automóvel Club da rua Líbero Badaró, no centro da capital paulista. O Brasil estava sob a Primeira República, em pleno domínio da política do “café com leite” — dinâmica que envolvia a alternância de cafeicultores paulistas e fazendeiros mineiros no comando do País. Foi a proximidade dos pioneiros com a economia do café, por sinal, que levou à fundação da SRB na cidade de São Paulo.
Já durante a década de 1930, a SRB tornou-se uma das principais vozes a se opor de maneira contundente ao golpe engendrado por Getúlio Vargas. A ditadura varguista industrializou o País à custa de confisco cambial sobre o café, inviabilizando a atividade dos produtores. Integrantes da entidade participaram da linha de frente de resistência ao governo — a SRB foi a primeira entidade rural do Brasil a apoiar de forma coordenada a Revolução Constitucionalista de 1932, que tinha os objetivos de destituir o ditador e convocar uma Assembleia Nacional Constituinte.
Depois da morte de Vargas, em 1954, o Brasil entrou em outro período político conturbado, agravado pelos efeitos da Guerra Fria que se instalou encerrada a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). O Brasil não passou incólume à divisão do mundo em dois blocos antagônicos, e não faltaram tentativas para a criação no País de uma república sindicalista radical de esquerda. Nesse contexto, os agricultores passaram a enfrentar tentativas de invasão de terras, simultaneamente a fatores que corroíam a renda da produção — inflação, tabelamento de preços e impostos sobre a exportação de diversos produtos agrícolas. No campo, a SRB era a principal voz dos produtores na busca de uma saída para essa crise institucional.
Em 1964, ano de início do regime militar, a SRB constatou que o então presidente Castello Branco não priorizaria a liberdade econômica no campo. Por isso rompeu com o governo, decisão que demonstra sua inclinação para atuar exclusivamente em favor dos interesses do produtor e não vinculada a um regime ou a uma ideologia. Nos estertores do período militar, entre o fim dos anos 1970 e o início da década de 1980, a SRB passou a articular as bases das relações do Brasil no comércio internacional. Foi a primeira entidade a questionar e a enfrentar o protecionismo das nações desenvolvidas, que limitavam a aquisição de produtos como açúcar, algodão e grãos. Na época, a produção nacional de culturas como soja, cana, carne e suco de laranja começou a se destacar, incomodando as grandes potências mundiais nesses mercados.
A entidade se associou ao modelo de crescimento agrícola-exportador. Apoiou a criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a reformulação da extensão rural no Brasil. Atuou ativamente para que os direitos dos produtores fossem assegurados na Constituição Federal de 1988. Defendeu a modernização das relações do Estado com o setor privado. Internacionalizou as reivindicações do agro nacional, com presença marcante em discussões no Mercado Comum do Sul (Mercosul) e na Organização Mundial do Comércio (OMC).
A SRB sempre esteve à frente de seu tempo, antecipando os grandes desafios do setor e defendendo os interesses do produtor rural — independentemente de partidos, regimes ou ideologias. Ao fazer parte da “Rural”, como a entidade passou a ser chamada, o associado passa a ter uma visão privilegiada de como será o futuro do agronegócio, no Brasil e no mundo.
Essa história, por sua consistência, acabou levando produtores que atuavam em departamentos da SRB a assumir papéis de liderança no setor público e também na iniciativa privada. A “Rural” é uma escola, um canal para troca de experiências e aprendizados que seus membros levam para a vida. Olhando em retrospecto, sobram razões para se entender como uma pequena associação de produtores se tornou tão representativa, ganhou projeção nacional e influenciou tanto os rumos da política nacional. É uma trajetória centenária que de fato merece uma intensa celebração.
Comemoração
Para celebrar o centenário, a SRB promoverá no dia 30 de setembro um evento especial na capital paulista. Os convidados vão se reunir no Jockey Club de São Paulo, um dos principais patrimônios históricos da cidade, a partir das 19h, para uma grande solenidade de comemoração, marcada por um jantar, além de páreos de corridas de cavalo para homenagear as principais atividades do agronegócio. Para prestigiar a celebração, a entidade receberá os associados, Ministros, Secretários de Estado, autoridades e lideranças empresariais. Os interessados em reservas de mesa e cotas de patrocínio devem entrar em contato pelo telefone (11) 3123-0666 ou pelo e-mail contato@srb.org.br.
Flávio Teles de Menezes (1984 a 1990)
São Paulo
Formado em Direito e empresário pecuarista da segunda geração da família. Na SRB desde o fim da faculdade, em 1969, e motivado pela liberdade da estrutura de uma entidade civil, iniciou sua gestão em 1984, no fim do regime militar e transição para a Nova República. Em tempos de Guerra Fria, pairavam dúvidas sobre qual seria o caminho seguido pelo Brasil, e agricultores temiam que uma proposta de reforma agrária servisse de pretexto para limitar a área e sacrificar propriedades rurais produtivas.
À época, Menezes se reuniu com Roberto Rodrigues, então presidente da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), e Alysson Paulinelli, então à frente da CNA. Juntos, os dirigentes formaram a Frente Ampla da Agropecuária Brasileira (FAAB), uma articulação política do setor nos moldes da atual Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). “Foi lá que tudo começou, a representatividade política que temos hoje no setor não caiu do céu”, explica Menezes.
O novo grupo garantiu representatividade aos produtores na Assembleia Nacional Constituinte, onde foram debatidas as bases da Constituição de 1988. A luta no Congresso Nacional assegurou que as propriedades produtivas não fossem suscetíveis de desapropriação no texto final, que, pela primeira vez, também previa um plano agrícola para o País.
Outro desafio do período foi convencer o Governo de que o congelamento de preços não era a medida mais eficiente para combater os surtos inflacionários, já que obrigava agricultores a vender seus produtos abaixo do custo de produção. Menezes também reuniu esforços para que o então presidente José Sarney dispensasse a licença para importação e exportação de produtos agrícolas, política que facilitou a saída da safra e motivou produtores a fazer mais negócios no exterior. “É por conta da nossa luta que o agro sustenta a balança comercial, as contas públicas e o PIB. Essa estrutura só ficou de pé porque fizemos os alicerces”.
Pedro de Camargo Neto (1990 a 1993)
São Paulo
Pecuarista, doutor em Engenharia de Produção e ex-secretário de Produção e Comercialização do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento de 2001 a 2002. Assumiu a presidência da SRB na semana anterior à posse de Fernando Collor de Mello e logo precisou conter os efeitos do plano econômico proposto pelo novo Presidente da República.
As alterações na indexação da economia em um dia provocaram grande desajuste. O descasamento de índices do ativo e passivo do agricultor criou subitamente uma dívida impossível de ser paga. Os preços agrícolas se estabilizaram e a dívida continuou a receber os reflexos da inflação, chegando a 84% em março de 1990. Após meses de tentativas frustradas de diálogo com o Governo, a SRB passou a recomendar aos agricultores que não mais contratassem crédito rural, em discurso mais político do que real, já que muitos ainda estavam amarrados ao desonesto sistema.
No mesmo dia ocorreu a abertura da economia ao exterior. De um lado, o Governo Federal se propunha a não mais impedir a exportação. De outro, abria o mercado do consumidor brasileiro para as importações de produtos estrangeiros quase sempre subsidiados. A reação levou a SRB a protocolar o primeiro processo administrativo contra importações pela imposição de Direitos Compensatórios contra subsídios estrangeiros. “Passei a me interessar pelas distorções do comercio exterior e anos depois iniciamos os primeiros processos na OMC contra a concorrência desleal”.
Em seu mandato, Camargo Neto engajou-se na defesa sanitária animal, com a criação do Fundo de Desenvolvimento da Pecuária do Estado de São Paulo (Fundepec) dentro da sede da SRB, órgão que contribuiu para o programa de erradicação da febre aftosa. “Nossa participação ativa ajudou no crescimento das exportações da carne bovina, que na época sofriam com milhares de focos da doença”.
Roberto Rodrigues (1993 a 1996)
São Paulo
Engenheiro agrônomo ?e agricultor, foi ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento de 2003 a 2006. Presidiu importantes organizações cooperativistas (OCB, ICAO e ACI) e se aproximou da SRB na época da criação da Frente Ampla da Agropecuária Brasileira.
Em seu primeiro ano de gestão, ?abrigou, na sede da SRB, a ?recém-criada ABAG. ?Em agosto de 1993, assumiu a Secretaria da Agricultura de São Paulo, quando, em parceria com a SRB e outras associações promoveu a Agrishow ?(projeto original de Brasílio Araújo Neto)?, hoje a maior feira do agronegócio ?da América Latina. Também firmou parceria com a Fundação Getúlio Vargas para a criação de um? ?boletim semanal ?com dados econômicos do setor, destinado a associados da SRB.
Em sua gestão na entidade, empreendeu esforços junto ao então presidente FHC para fortalecer o direito de propriedade rural. “As invasões de terras eram mais frequentes e intensas, tínhamos ?no setor um País ainda mais dividido do que nos dias atuais”. As pautas prioritárias sempre defendiam o produtor rural profissional.
Junto ao Governo, também ?buscou melhorias de políticas públicas. “A agricultura foi a ?verdadeira âncora verde ao segurar a ?estabilização da economia no Plano Real, 4 anos depois do Plano Collor”. Rodrigues coordenou o Fórum Nacional da Agricultura, criado por FHC, onde nasceram muitas das atuais ações benéficas ao campo, como o Moderfrota e o programa de financiamento de armazéns nas propriedades rurais, além do importante estímulo ao cooperativismo de crédito.
Foi ainda incentivador da participação feminina e de jovens na SRB e teve forte presença junto à Frente Parlamentar da Agropecuária, com intenso trabalho na formulação de leis complementares às decisões da Constituição de 1988.
João de Almeida Sampaio Filho (2002 a 2007)
São Paulo
Economista e produtor rural nos estados de São Paulo, Mato Grosso e Paraná. Sampaio teve destacada atuação como líder de sindicatos rurais na década de 1990, sendo eleito presidente da Associação dos Produtores de Borracha de Mato Grosso e da Comissão Nacional da Borracha. Começou a frequentar a SRB de forma mais assídua a partir de 1999, a convite do então presidente Luiz Marcos Suplicy Hafers.
Assumiu a entidade em meio a um clima de incerteza no setor, com produtores inseguros com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições presidenciais de 2002. Em seu primeiro mandato, Sampaio aproximou a SRB de lideranças do Congresso para combater o crescimento do MST, que liderava crescentes invasões em prol de uma flexibilização do direito à propriedade. “Nós nos dedicamos muito na interlocução com lideranças do governo pela garantia do que chamávamos de direito de produzir”.
A nomeação de Roberto Rodrigues como ministro da Agricultura facilitou a interlocução com o Governo Federal, abrindo caminho para aproveitar o boom das commodities e fortalecer a Federação das Associações Rurais do Mercosul (FARM), da qual a SRB é uma das fundadoras.
Em seu segundo mandato, buscou apoio de outras entidades setoriais de carne, soja e suco de laranja, projetando o produtor brasileiro no mercado internacional. Lutou ainda pela rentabilidade da produção em uma época de crise nos preços e defendeu a qualificação dos agricultores.
Deixou o cargo para assumir a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo no início de 2007. “Tive a sorte de ter sido presidente, isso me engrandeceu e qualificou para uma série de desafios na minha vida”.
Cesário Ramalho da Silva (2008 a 2013)
São Paulo
Agricultor e pecuarista, associou-se à SRB em 1967 conduzido pelo avô, Ardelino Oliveira. Passou a se envolver mais com as pautas da entidade a partir de 1987, motivado pelo então presidente Flávio Teles de Menezes, tendo se tornado conselheiro e diretor da entidade.
No início do seu mandato na SRB, iniciavam-se no Congresso Nacional as discussões pela reforma do Código Florestal Brasileiro. Com uma gestão fundamentada no debate pela conciliação entre produção agropecuária e preservação ambiental, aproximou-se da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e do relator do projeto na Câmara, Aldo Rebelo. A intenção era que a nova legislação também contemplasse os desafios da rotina do produtor. Para aprovar o Código, a entidade articulou uma bancada de deputados ligados ao setor e participou de quase 100 audiências públicas pelo país. “O Código Florestal assegurou ao agricultor brasileiro um passaporte de produção sustentável, referência para os compradores no mercado internacional”.
Outra prioridade do mandato de Ramalho era trabalhar a imagem do agro brasileiro no exterior. Para isso, participou da primeira reunião do G20 ‘agrícola’, em Paris. “O agro brasileiro tem muitas ferramentas para se defender, mas ainda pode ter mais reconhecimento internacional”. Liderou a criação do Global Agribusiness Forum (GAF), um dos principais congressos do setor no mundo e presidiu a Federação das Associações Rurais do Mercosul (FARM).
Foi o criador dentro da entidade da “Rural Jovem”, grupo que atuou na mobilização e engajamento das novas gerações do setor. Em 2013, o grupo transformou-se no Comitê de Liderança e Juventude, estruturado por jovens atuantes no desafio de formar novas lideranças e gestores para o agro.
Gustavo Diniz Junqueira (2014 a 2016)
São Paulo
De vínculo familiar histórico com a agricultura, trilhou carreira sólida na área financeira antes de se tornar um dos presidentes mais jovens da história da SRB. Começou a frequentar a entidade ainda jovem por influência do pai e do avô. Em 2008 se associou e passou a ser mais presente nos grupos de trabalho.
Foi a primeira liderança do setor a apoiar publicamente o impeachment da então presidente Dilma Rousseff. Para isso, propôs a união de associações de todos os segmentos em prol de uma pauta única no Congresso Nacional, baseada na liberdade econômica e no fim da interferência estatal.
Priorizou iniciativas para promover as vantagens competitivas e tecnológicas do agronegócio, defendendo que o produtor rural fosse reconhecido como um empreendedor do campo. Aproximou a entidade da Agência Brasileira de Promoção de Exportações (Apex-Brasil) e aderiu ao movimento Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, que trabalhou pelo protagonismo do agro brasileiro durante a Conferência do Clima em Paris (COP 21). Em linha com as discussões da Coalizão Brasil China e da COP 21, trouxe para a pauta de discussão da entidade a importância da sustentabilidade e de difundir a figura do produtor rural como o maior ambientalista do Brasil.
Na gestão de Junqueira, a entidade entrou com uma ação no STF para reverter a decisão que veta a venda de terras para investidores estrangeiros. Criou ainda a Câmara de Mediação e Arbitragem (CARB), o primeiro centro de resolução de conflitos do Brasil focado em controvérsias da cadeia produtiva do agronegócio, posteriormente incorporada pela Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial-Brasil (CAMARB). Também reestruturou a estratégia de comunicação, aproximando a SRB de um público mais amplo e formador de opinião nos grandes centros urbanos.
Marcelo Weyland Barbosa Vieira (2017 a 2019)
São Paulo
Produtor de café, cana de açúcar e pecuarista no Sul de Minas, empresário rural e executivo. Iniciou sua participação nas reuniões do departamento de café da entidade na década de 1990. Na época, era presidente da Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA), e as associações do setor começavam a estruturar o programa de promoção dos Cafés do Brasil no exterior.
Em sua gestão na SRB, Vieira prioriza pautas em defesa do produtor rural como elemento-chave para transformar o País no maior supridor de alimentos do planeta. “Ainda precisamos combater o custo Brasil, o excesso de regulação e burocracia, que são grandes barreiras para novas oportunidades”.
Ciente dos problemas envolvendo a situação tributária do País, posicionou a entidade como porta-voz de assuntos referentes à cobrança do Funrural, aos debates sobre o fim da Lei Kandir e a reformulação do Imposto Territorial Rural (ITR). Conduziu a SRB em ações no Supremo Tribunal Federal (STF) em defesa do Código Florestal, contra a tributação de exportações indiretas e sobre o manejo de javalis.
Em parceria com a Política Militar Ambiental, organizou debates em diversas cidades do interior de São Paulo sobre estratégias para ampliação da segurança pública no campo. Defendeu o aprimoramento da estrutura de formação de trabalhadores do agro para modernizar os modelos de produção, envolvendo novas tecnologias e exigindo uma gestão eficiente. Priorizou ainda a promoção da imagem internacional da produção brasileira e o acesso aos principais mercados em parceria com a APEX-Brasil e com o MAPA pelo programa Pam Agro.
Com a transição para o governo de Jair Bolsonaro na Presidência da República, Vieira aproxima ainda mais a entidade dos ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura. É defensor da necessidade de reformas trabalhistas, previdenciárias e tributárias como condicionantes para o desenvolvimento do setor. “As reformas estão avançando e serão determinantes para um agro mais forte e competitivo”.