A proposta, que ainda conta com apoio sul-americano, tem como meta limitar os subsídios agrícolas que possam distorcer o comércio do setor de cada país
Representantes do setor privado brasileiro criticam a aproximação entre o Brasil e a União Europeia no que se refere a um acordo para limitar os subsídios para a agricultura.
Tradicionalmente em lados opostos da mesa quando o assunto é a questão do comércio agrícola, Brasil e União Europeia se uniram para apresentar uma nova proposta à Organização Mundial do Comércio para estabelecer novas leis e reduzir os subsídios no campo. A proposta, que ainda conta com outros apoios sul-americanos, tem como meta “limitar os subsídios agrícolas que possam distorcer o comércio em proporção ao tamanho do setor agrícola de cada país”.
A meta é de que o acordo seja uma base para um entendimento que poderia ser anunciado na conferência ministerial da OMC, em Buenos Aires no fim do ano.
Para a Sociedade Rural Brasileira, porém, o acordo é “ruim” e a entidade alega que não viu o texto do projeto antes de o governo seguir esse caminho. “Já vi terminar uma negociação com um texto ruim. Mas propor de inicio um acordo ruim é a primeira vez que vejo”, declarou Pedro Camargo, vice-presidente da SRB e ex-secretário de Produção do Ministério da Agricultura.
A avaliação é de que o entendimento atende mais aos interesses dos europeus que o dos brasileiros.
“A proposta altera a estrutura do acordo na fixação dos limites para subsídios agrícolas domésticos utilizando agora um percentual único sobre o PIB agrícola do país”, explicou Camargo. “Será muito difícil um limite único aceitável pois os países diferem muito nos produtos que subsidiam e como o fazem”, comentou.
Em sua avaliação, “nem sempre o país que subsidia mais é quem atrapalha o Brasil mais”. “Países concorrentes e competitivos turbinam suas exportações com subsídios ditos domésticos. Permitem também uma flexibilidade entre produtos para esse limite inaceitável”, atacou.
Para ele, o sistema permite que possam concentrar subsídios “em alguns poucos produtos”. “Muito ruim tudo”, completou.
De acordo com a Secretaria de Relações Internacionais do Agronegócio do Ministério da Agricultura, a “redução dos subsídios agrícolas será mediante a sugestão de um limite máximo permitido a ser aplicado em forma percentual aos valores de produção dos países membros”. “A ideia é possibilitar diminuir os apoios hoje concedidos”, explicou. “Igualmente, propõe-se regulamentar o uso de estoques públicos, reduzindo o impacto negativo nos preços praticados no mercado internacional”, indicou o governo.
Um dos pontos centrais da proposta é ainda a de colocar regras para os subsídios ao algodão, setor de interesse dos países africanos. Mas cada vez mais ignorado por Washington e Pequim, amplos usuários de subsídios.
Motivação – O representante do setor agrícola acredita que o motivo de uma proposta conjunta seja o de garantir que, também em Buenos Aires, o Mercosul e a União Europeia anunciem um acordo de livre comércio, depois de quase 20 anos de negociação.
Para Camargo, isso seria “um grave equívoco”. “No acordo bilateral, negocia-se principalmente acesso a mercados, enquanto no multilateral quase unicamente subsídios”, apontou. Para ele, o Itamaraty precisa separar as duas coisas. “Como se diz: uma coisa é uma coisa, outra coisa outra coisa”, comentou.
O vice-presidente da entidade também revela que o texto final do projeto não passou pelos representantes do setor privado. “Fomos informados de que estavam negociando com a União Europeia. Mas, que eu saiba, não mostraram o texto para ninguém do setor privado. Um retrocesso em termos de participação da sociedade”, criticou.
Resposta – Ao Estado, o governo brasileiro garantiu que todos os representantes do setor privado foram consultados. “A CNA teve acesso ao texto e foi consultada pelo menos duas vezes formalmente em reuniões de coordenação no Ministério das Relações Exteriores”, explicou o Itamaraty. “Numa delas, estava o Pedro Camargo, como representantes da Sociedade Rural Brasileira”, disse.
Camargo, por sua vez, afirma que o encontro de fato ocorreu. Mas que os diplomatas prometeram enviar o texto do projeto, o que nunca teria ocorrido.
De acordo com o governo, o texto conjunto do Brasil e da UE “é uma proposta e não um acordo”. “Já conta com apoio de outros países membros da OMC e foi considerado como contribuição positiva para o processo preparatório para a Conferência Ministerial de Buenos Aires”, completou.
Para o embaixador da UE na OMC, Marc Vanheukelen, o esforço de Bruxelas e Brasília é de que a proposta seja a base de um acordo que possa ser atingido durante a conferência ministerial da OMC. “A agricultura será o centro do debate na Argentina e, sem ela, não haverá um acordo”, admitiu.
Ao colocar num mesmo projeto dois concorrentes no mercado agrícola mundial, a esperança é que o documento acabe convencendo tanto os países ricos como os emergentes a se unir por um novo acordo. As economias mais pobres, porém, não terão obrigações a seguir e poderão dar subsídios. “Nossa proposta é ambiciosa e realidade”, garantiu a comissária europeia de Comércio, Cecilia Malmstrom.
Fonte: Estadão