O Decreto 64.842 de 5 de março trata o processo de regularização de passivos ambientais existentes em propriedades do Estado de São Paulo. Embora o Código Florestal tenha sido aprovado em 2012, e, a Legislação Estadual 15.684 que estabeleceu o PRA- Programa de Recuperação Ambiental seja de 2015, as inúmeras contestações que ocorreram junto ao Poder Judiciário paralisaram o processo de regularização ambiental. Somente no ano passado, com o julgamento no Supremo Tribunal Federal da constitucionalidade do Código Florestal, e, na sequência o julgamento no Tribunal de Justiça de São Paulo da constitucionalidade da lei do PRA é que o arcabouço legal ficou definido permitindo a essencial e urgente ação do Governo Estadual.
Diante da complexa construção de uma sequência normativa que pretende garantir a esperada clareza das normas e procedimentos necessários à regularização ambiental do produtor, são necessárias algumas observações ao Decreto para que não haja prejudicialidade da segurança já garantida pela lei federal e pela lei estadual paulista.
De acordo com o Código Florestal, depois de se inscrever no Cadastro Ambiental Rural – CAR, o produtor que tiver algum passivo ambiental, como falta de área de preservação permanente ou reserva legal, deverá regularizar sua área. Para isto poderá aderir a um programa que deverá ser instituído pelos Estados. A finalidade do PRA é estabelecer de que forma e em que prazo os passivos ambientais do imóvel rural serão sanados.
Logo ao tomar posse o Governador do Estado de São Paulo, comprometido com a regularização ambiental e prevendo que haveria grande volume de pedidos, que demandariam conhecimento técnico e pessoal treinado, redefiniu as funções da CATI (Coordenadoria de Assistência Técnica Integral) pertencente à Secretaria de Agricultura e Abastecimento e também da CBRN (Coordenadoria de Biodiversidade e Recursos Naturais) pertencente à Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente, criando a CDRS (Coordenadoria de Desenvolvimento Rural Sustentável) por meio do Decreto 64.131 de março de 2019 que transferiu a competência da regularização das áreas rurais para a SAA. Naquela ocasião, foi determinado que os secretários das pastas envolvidas, Meio Ambiente e Agricultura, editariam resoluções conjuntas para: 1. Identificar os cargos, funções e seus ocupantes, e, 2. Detalhar medidas decorrentes das definições estabelecidas.
Assim, seriam necessárias duas resoluções conjuntas, meramente procedimentais, para que todas as regras, já clara e detalhadamente estabelecidas na Lei Federal 12.651/2012, Decreto 8.235/2014, Lei Estadual 15.684/2015, Decretos 61.792/2016 e 64.131/2019 passassem a ser cumpridas no Estado.
O Decreto 64.842/2020 começa a contagem oficial do prazo de regularização de áreas rurais em São Paulo, porém não dá ao produtor as ferramentas necessárias para realizar tal regularização, ao contrário, cria a necessidade de novas normas. O Decreto cita a necessidade de quatro novas resoluções conjuntas, sendo, algumas delas, sobre temas já resolvidos no próprio decreto que definiu a competência da SAA para análise do CAR e regularização ambiental. O Estado de São Paulo, desta forma, vai na contramão da tendência de desburocratização e modernização de procedimentos, criando regras em demasia e ainda assim não definindo como e onde deverão ser tomadas as medidas para cumprimento das regras já determinadas em diversas normas.
Além disso, o Decreto representa retrocesso ao já decidido e extrapola sua função regulamentadora, além de criar regras contrárias às já dispostas em outros diplomas, retirando direitos conquistados pelos produtores, como quando determina que será necessário ganho ambiental e anuência do Ministério Público ou determinação judicial para revisão de Termos de Ajustamento de Conduta- TAC, enquanto o Decreto Federal 8.235/2014 afirma que deverão ser revistos todos os termos firmados de acordo com a legislação anterior mediante requerimento do interessado. Não se trata de mera burocracia, mas da verdadeira inviabilização de revisão dos termos firmados.
Outro ponto sem resolução é referente à uma das formas de compensação de reserva legal, que é a doação de áreas pendentes de regularização em unidades de conservação, este novamente segue sem instrumentalidade. Já prevista no Código Federal, o ICMBio criou os procedimentos de doação de áreas quando se trata de unidade de conservação federal e, apesar de mais uma norma para tratar do tema, o Estado de São Paulo, por este decreto, incumbe a Secretaria de Meio Ambiente de criar as diretrizes necessárias a este tipo de regularização, remetendo à criação de mais uma norma sem viabilizar o instrumento permitido pela lei, e, retirando da SAA a competência inicial.
O Decreto nada cita sobre as áreas abertas de acordo com a legislação da época, que equacionam a obrigação de instituir a reserva legal. O Código Florestal criou com clareza o conceito de área consolidada e a lei do PRA explicitou as legislações anteriores que devem ser observadas. Muitas áreas do estado de São Paulo se encontram nesta situação e precisariam ter o procedimento de regularização definido. Um rol de provas e documentação confirmando a data do desmatamento e entrada em produção agropecuária das propriedades precisara ser apresentada. Era o momento de regulamentar esse processo. Mais do que isso, para as pequenas e medias propriedades cumpriria ao Governo Estadual estudar microrregiões inteiras viabilizando o enquadramento desses proprietários. Trata-se de uma grave omissão pois sequer há menção ao tema.
Por fim, o Decreto remete a mais uma resolução conjunta a definição de competências para análise do CAR e instrumentos de regularização, competência que já tinha sido atribuída claramente à SAA por instrumento anterior. Um claro surpreendente e inesperado retrocesso.
A Sociedade Rural Brasileira prima pela sustentabilidade e por um olhar para a agricultura brasileira, que deve ser inclusiva, respeitar as diferenças, desburocratizar procedimentos e facilitar a vida do produtor e assevera que há urgência no estabelecimento de procedimentos de regularização por parte do estado.
Portanto, entende que o Decreto 64.842/2020 vai na contramão dos interesses do setor e cria dificuldades que impedirão a regularização ambiental de muitos produtores. Será necessário a edição de outro Decreto corrigindo este da semana passada.